Um mundo sem Hugo Chávez
Andrea G
El Estadão / Moisés Naím e tradução de Terezinha Martino
Metade da população da Venezuela tem menos de 25 anos - o que significa que dificilmente conseguem se lembrar ou imaginar um outro líder que não seja Hugo Chávez. O atual presidente não é somente o chefe de Estado que está há mais tempo no poder nas Américas - 12 anos governando -, mas também é uma figura onipresente no país. Aparece quase diariamente na TV, onde discursa durante horas, e seu rosto e suas frases são vistos em cartazes, banners e murais em todas as grandes cidades e ao longo das rodovias venezuelanas.
Chávez já havia deixado claro que seria candidato na próxima eleição presidencial e também que sua vitória seria inevitável. "El Comandante" refere-se a 2031 como sua perspectiva de tempo para se manter no poder - e esse prazo ainda pode se estender.
No entanto, agora, o câncer poderá interferir nos seus planos. Embora os detalhes sobre sua doença continuem secretos, Chávez confirmou que está com câncer, que passou por duas cirurgias e se submeteu a sessões de quimioterapia em Cuba. E, quando retornou à Venezuela e anunciou que estava livre da doença, alertou que o risco ainda continuava, porque "as células vão e vêm numa luta constante".
Sua enfermidade desencadeou o mais feroz conflito político no país desde que ele chegou ao poder. Mas não entre seus partidários e a oposição, e sim entre seus aliados, que disputam sua sucessão, caso ele morra ou fique incapacitado.
Chávez não preparou um sucessor nem criou instituições que poderiam administrar uma transição. Concentrou todo o poder em suas mãos, possibilitando que a oposição se unisse e não deixando nenhum espaço para qualquer outro líder.
Assim, quem poderá governar uma Venezuela pós-Chávez? Sem ele, a disputa será inevitável, especialmente entre as facções que o apoiam, que são tão variadas quanto divididas. Algumas estão fortemente armadas e, ao que parece, não carecem de recursos.
A mais importante delas é o Exército, que Chávez manejou cuidadosamente para assegurar sua lealdade. Um dos oficiais mais favorecidos por ele é Henry Rangel Silva. No fim do ano passado, ele foi promovido pelo presidente a "general em chefe".
Rangel Silva já declarou que o Exército não vai tolerar um governo da oposição, mesmo que ela vença nas eleições de 2012. Em 2008, o Departamento do Tesouro dos EUA acusou o general de "auxiliar materialmente as atividades de tráfico de drogas".
Grupos divididos. A Venezuela é constantemente apontada por autoridades internacionais como um importante centro de tráfico de drogas, armas, pessoas e de lavagem de dinheiro. Seria virtualmente impossível realizar essas operações sem a cumplicidade de oficiais militares do alto escalão. Portanto, é provável que uma das facções tentando influir na sucessão de Chávez tenha oficiais ligados às organizações criminosas globais que precisam de um governo que feche os olhos para suas atividades.
Uma outra facção é formada por oficiais com fortes vínculos com os serviços de inteligência e militar de Cuba. Para os líderes cubanos, a Venezuela é um apoio indispensável. O país fornece à ilha uma ajuda de US$ 5 bilhões ao ano, incluindo o fornecimento de petróleo subsidiado que supre 60% das necessidades energéticas da ilha. Caso uma aliança entre militares e traficantes assuma o poder, isso pode prejudicar o acordo.
O Exército não é o único protagonista bem armado. Como precaução para não haver uma repetição do breve golpe contra ele, em 2002, tramado por oficiais militares, e para assegurar que nenhum grupo acumule poder excessivo, Chávez dividiu as Forças Armadas e, ao mesmo tempo, criou milícias equipadas e bem treinadas, grupos paramilitares e outras organizações que agem nas sombras, que podem intervir no caso de a luta pela sucessão se transformar em confrontos violentos em cidades densamente povoadas.
Uma outra facção que poderá ter um papel numa possível sucessão é a "Burguesia Bolivariana" ou os "boliburgueses", como são conhecidos na Venezuela. São oligarcas no estilo russo, que usaram suas relações com o governo e o Exército para acumular uma riqueza inimaginável durante o boom do petróleo na presidência de Chávez.
Alguns ocupam cargos no alto escalão do governo, outros são autoridades eleitas ou membros da Assembleia Nacional. Há empresários, intermediários indispensáveis para qualquer transação em que o governo esteja envolvido - como a compra de armamentos caros da Bielo-Rússia, frangos do Brasil ou tratores do Irã.
Os mais influentes têm vínculos com diversas facções. Por exemplo, Diosdado Cabello, ex-militar que participou da rebelião fracassada em 1992, ao lado de Chávez, já foi governador, ministro e vice-presidente. Hoje é líder do partido do governo, o PSUV. Tem muita influência junto às Forças Armadas, agências governamentais e é amigo de muita gente leal ao presidente.
Cabello terá um enorme predomínio num governo posterior a Chávez. É visto também como alguém que poderia minar o poder dos fanáticos ideológicos em torno do presidente - uma outra facção formada por líderes do PSUV e outras autoridades que acreditam que Chávez foi longe ou rápido demais.
Mas que papel terão os oponentes do presidente numa transição? Entre eles está um segmento crescente da sociedade civil venezuelana contrária a ele - especialmente o movimento dos estudantes e uma nova geração de jovens líderes. E, claro, os EUA.
Em ambos os casos, a influência será limitada. Os primeiros não possuem armas, capangas ou dinheiro. Os outros estão muito ocupados para tratar de qualquer tipo de crise.
Sucessão. Finalmente, a luta pelo poder poderá incluir a própria família do presidente, especialmente seu irmão mais velho, Adán, antigo professor de física que se tornou ministro da Educação, embaixador em Cuba e governador do Estado de Barinas. Desde sua doença, o presidente ficou mais próximo do irmão e tem publicamente sublinhado sua importância.
Quando esteve em Cuba, recentemente, Adán afirmou que seus partidários precisam estar prontos para usar a força para se manter no poder. "Seria indesculpável nos limitarmos apenas ao processo eleitoral e não vermos outras formas de luta, incluindo a armada."
Naturalmente, é prematuro descartar Hugo Chávez. Caso se recupere, ele pode continuar assumindo seu papel dominante ou governar o país delegando as decisões do dia a dia para pessoas de confiança. Na verdade, ele já trocou o seu lema "Pátria, socialismo ou morte" por "Viveremos e venceremos". Viver e vencer são suas novas prioridades.
Também introduziu um outro lema revelador: "Unidade! Unidade! Unidade!" É difícil imaginar Chávez pregando a unidade entre todos os venezuelanos. No entanto, o apelo é dirigido aos que o apoiam - aqueles cuja unidade ele precisa preservar para continuar governando a nação que tem as maiores reservas de petróleo do mundo. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO